quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Caminhada

Durante toda a sua vida reteve a dor para evitar que outros, percebendo seu sofrer, a tomasse para si. Decidido de que seu pesar deveria ser apenas seu, não desejava dividi-lo com ninguém, não pretendia ser um incômodo para os outros. E assim foi caminhando, sorrindo ou não, mas sempre mantendo o ar de calmaria e equilíbrio. Não percebera que seu sofrer contido, seu grito sempre adiado tornara-se um fardo mui pesado. E tendo agora as pernas cansadas, ameaçava fraquejar.
E se tropeçasse?
Tudo aquilo viria ao chão, toda aquela tristeza despencaria e inundaria a tudo e todos à sua volta em proporção bem maior que antes; com força de água represada, arrancaria tudo que estivesse pela frente, devastaria territórios e corações solidários.
Isso não! Não poderia suportar que o seu sofrer causasse o dos outros. Melhor era conviver com sua dor do que com o penar alheio, o qual não pode ser medido nem controlado.
Portanto, continuava a caminhada dia após dia, passo a passo, acrescentando a cada dia mais uma dose de tristeza ao seu fardo, sem deixar que ninguém perceba o conteúdo de sua bolsa; bagagem que vista de fora, não parece pesada nem leve, feia nem bonita, apenas incógnita e às vezes um tanto comum.